Nós saímos daqui de madrugada

Nós saímos daqui de madrugada, 2 ou 3 horas da manhã, bota a cangalha no jegue, sobe ladeira, desce ladeira, chega lá longe, come um pedacinho de rapadura, ou uma tripa, ou um pedaço de fato, um pouquinho de fa-rinha, o que tiver, toma água da cabacinha, chega lá cedinho com um saco e uma foice, vamos tirar as palhas e depois vamos “ajuntar”, despencar e fazer o molho, bota tudo em cima do jegue e volta para trás, quando che-gamos já é 1 ou 2, até 4 horas da tarde.

Nós vamos em duas ou três mulheres, pode levar alguma criança, é uma ou duas léguas daqui, longe, longe. Quando achamos palha nós trazemos, quando não, é um ou dois molhos. É um sacrifício que a gente faz para sobreviver, porque eu não vou ficar dentro de casa, tenho seis filhos, nem eu nem meu marido somos empregados. Nós comemos quando Deus manda a chuva, agora mesmo estamos esperando que mande o inverno, enquanto isso, para sobreviver, buscamos palha, porque eu não vou roubar e nem quero que meus filhos façam o errado. Vamos mantendo a vida até onde Deus quiser.

Eu vou para a feira vender vassoura e vou levando a vida, porque eu não tenho estudo, o que eu tenho são meus filhos que estão estudando. Deus ajude que eles se interessem, aprendam a ler, se formem e consigam emprego.

A gente vai para as feiras de Paulo Afonso e outros cantos, leva vassoura, manga, pinha, o que tiver. Tem que dormir na rua, no meio do mijo, das muriçocas, pedir um café, eu não tenho vergonha de contar porque é verdade. Eu, graças a Deus, nunca encontrei pessoas ruins. Eu peço a Deus que nos dê saúde para a gente batalhar e arrumar o pão de cada dia. Confiando em Deus nós não passamos fome. A vida não é brincadeira, é sofrida, mas eu nunca fui triste, com tudo no mundo eu me conformo, a gente recebe o que Deus mandar.

Eu adoro ser índia, eu adoro meu lugar, não troco ele por lugar nenhum.

Maria Aparecida dos Santos.