O que 1968 fez por nós?

Por Luiz Renato Dantas Coutinho

quele ano de barricadas, greves e movimentos de contestação que sacudiu a população jovem em diversos pontos do planeta pode ser considerado um marco radical na história da humanidade? Seria 1968 a infância do futuro? Ou 1968 ainda é um enigma?
No último mês fez 40 anos que estudantes e operários sacudiram algumas importantes cidades da Europa. Editoras aproveitaram o momento para lançar diversos títulos sobre 1968 e os principais jornais dedicaram suplementos ao assunto.
Com o mesmo espírito, o Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras e a Universidade Federal do Rio de Janeiro tiveram a iniciativa da mesa redonda “As Linguagens do Conflito 40 Anos Após 68”. O evento ocorreu dia 27 de maio, em teatro da ABL. Representando o pensamento europeu, foram convidados o filósofo italiano Gianni Vattimo, o professor de literatura italiana e ensaísta Andrea Lombardi e o sociólogo Massimo Di Felice. Representando o pensamento indígena, compareceu a militante Yakuy Tupinambá. Escritora e membro da liderança do cacicado da aldeia Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, ela acabou emocionando a todos e dominando o evento ao denunciar as arbitrariedades cometidas contra os indígenas e o consumismo que dita toda a vida do homem moderno.
Coordenada pelo presidente da ABL, Cícero Sandroni, a mesa redonda teve um comentário incial do diretor do Instituto Italiano, Rubens Piovano, para quem a grande data do século 20 é 1945:
– Antes havia um outro mundo. Depois de 1945, as atitudes mais democráticas emergiram. Os mais fracos ganham voz. Porém, 68 é um marco em nível individual. Tudo o que somos devemos àquele ano. Nascia ali o mundo globalizado pela mídia ao passo que os jovens só naquele momento tornam-se uma categoria social.
E ele terminou com a pergunta:
– O movimento de 68 teve êxito ou falhou? A almejada democracia participativa, por exemplo, não aconteceu.

A esperança é a mesma
Para Vattimo foi o início do pós-modernismo. Segundo ele, naquela época aconteceu a primeira grande manifestação de reivindicação da felicidade. Antes, as reivindicações dessa natureza eram restritas às classes mais altas.
– Havia a crítica de que exigir felicidade era algo irreal. Sofrer, de acordo com a nossa herança judaico-cristã, é importante e necessário. A informática é a nossa revolução atual. E quanto mais as forças emancipadoras tecnológicas aumentam, menos toleramos a repressão.
O filósofo alerta para a o fato de que, como resposta, a repressão adicional aumentou e muitos intelectuais caíram no ceticismo. Mas, ele concluiu:
– A esperança que ainda existe é a mesma de 1968.
Para Andrea Lombardi, os indígenas são os profundos representantes do Ocidente:
– Eles, que têm uma fala aparentemente tão longínqua e tão próxima, uma fala diferente, mas não indiferente, possuem e percebem cores e gestos que não percebemos mais.
Lombardi, que fora preso em maio de 1968, ex-líder estudantil na Itália e na Alemanha, alerta para o fascismo midiático aliado à democracia formal nos dias de hoje:
– Felizmente, há uma mídia alternativa.
Massimo Di Felice lembra que em 1968 houve o surgimento de um novo modelo comunicativo e os jovens rompem com as tradições principalmente por meio da moda e da música:
– Enquanto isso, a tecnologia eletrônica ampliava os sentidos do corpo. A internet pouco depois surge. E há também a pluralização do ator social, em um sentido que vai da periferia para o centro.
Importante também, segundo o sociólogo, é a crise do eurocentrismo em 1968: perde brilho a idéia de que a chave para a leitura do mundo encontra-se na visão européia.

Ponto alto do encontro
Yacuy não estava à mesa quando os convidades começaram a falar. Já pelo meio do evento, ela então surgiu, com trajes típicos, vinda dos fundos do teatro. Pedia a todos para olhar de volta para o século 16, quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil e as nações indígenas ainda estavam intactas. Vattimo foi até à plateia recebê-la e após todos os convidados abraçarem-na, ouviram seu apelo:
– Eu tinha sete anos quando de 1968. Não tinha sequer um radinho para saber dos acontecimentos políticos daquela época.
Lembrando o massacre histórico perpetrado contra os indígenas, denunciou a desqualificações das questões desses povos por segmentos da mídia:
– Somos 230 povos no Brasil. Muitos não precisam de dinheiro para viver. Aprendam a conviver conosco. Queremos dar as mãos a vocês. O saber sem precedentes transformou o homem dito civilizado em máquina e o afastou de si mesmo.
O discurso da militante, enfatizando a necessidade de se priorizar o amor, emocionou e fez Andrea Lombardi chorar.
No balanço final ficou uma lição de 68: a solução talvez esteja em se construir comunidades autônomas, modelos alternativos para a centralização do sistema.
Como expressou Vattimo:
– Restou de 68 o espírtio anárquico. A idéia de se construir comunidades alternativas.
Será 1968 da mesma natureza que 1868, também um ano de turbulência na Europa e na América Latina? Assim como este, continuará lembrado daqui a 140 anos, envolto em muitas perguntas e poucas respostas?

3S http://www.terceirosetor.jor.br/edicoes/ed08/0806perfil.asp

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