Por Casé Angatu*

… ecoando vozes …

Estão oficializando e buscando apoio à radicalização da militarizada política de contenção social e étnica que sempre existiu no Rio de Janeiro, nas Aldeias, Quilombos, Ocupações, Retomadas, Favelas, Guetos, Quebradas, Cortiços, Povo em Situação de Rua, Periferias, Povo Preso … Contra Quem (Re)Existe

“Multiplicados somos mais fortes

Não precisamos depender da sorte

Perdido por um, perdido por mil

Podemos ser dois, o cobertor ser um

Se somos unidos ninguém passa frio”

(Baiana System)

 

APRESENTAÇÃO:

 PARA NÓS ÍNDIOS “UM MUNDO ONDE CAIBAM VÁRIOS MUNDOS” NOS IMPORTA E MUITO !

Publicamos este texto no espaço de ÍndiosOnline por acreditarmos que o debate nele expresso pode contribuir com algumas reflexões junto aos meus Parentes e à todas/todos que buscam um outro mundo possível. Acreditamos que, como indígenas, nos importa pensar “num mundo onde caibam vários mundos”, como falam nossos Parentes Zapatistas de Chiapas no México – também por isto o vídeo musical escolhido.

O que segue expressa também nossa solidariedade ao Povo Pobre e que Luta lá do Rio de Janeiro, sob intervenção militar oficial. Saudação à todo Povo que Luta e (Re)Existe …

Pensamos que, para nós, Povos Originários, é necessário que não indígenas vivam numa sociedade justa, igualitária, coletivista, fraterna e de respeito à natureza para também sermos respeitados em nossos direitos, autonomia, alteridade e manutenção da mãe sagrada – Pachamama. Nos importa e muito a busca por uma sociedade socialmente igualitária, respeitando as diferenças e a liberdade.

Trazemos quase sempre presente o indígena Movimento Zapatista porque nos inspira em seus preceitos de luta e por isto reiteramos: “a busca por um mundo onde caibam vários mundos”. Para isto indígenas e não indígenas que desejam este outro mundo possível tem de unir suas forças para deixa-lo germinar e frutificar porque ele já existe em nossos corpos, angas (almas), cosmologias e vivências.

Precisamos juntos com não indígenas conquistarmos esta nova sociedade porque também necessitamos dela para germinarmos, frutificarmos, protegermos e fortalecermos a nossa e natureza sagrada. Não é toa que cantamos em nossos rituais para a natureza:

“Somos bravos guerreiros

Por nossas terras vamos lutar

Espalhar nossas sementes

o solo germinar”

São vários os exemplos através das história de como as injustiças da sociedade não indígena afeta à nossa. Desde o expansionismo europeu a partir do século XVI, denominado de expansões marítimas que resultou, entre outras coisas, nas invasões europeias, até a atual e constante busca doentia pelo o que alguns chamam de “desenvolvimento econômico, político e territorial”. Algo que podemos chamar de novas invasões em nome do expansionismo capitalista. Ações que nos colocaram em seus caminhos de violência exploratória.

Nós, Povos Originários da grande e sagrada Abya Yala (hoje chamada também de América) nem precisamos nos declarar ideologicamente contrários ao capitalismo e às “leis do mercado”. A perversa lógica expansionista deste sistema já nos coloca como obstáculos ao seu danoso desenvolvimento. Costumamos dizer que, assim como outros Povos e pessoas, quando reafirmamos nossa natureza livre – nossa indianidade – somos colocados como empecilhos porque respeitamos a natureza sagrada e possuímos formas autônomas e autiogestionárias de vivência.

Vale lembrar que durante os 20 anos da Ditadura Militar Civil brasileira (1964-1985) foram os Povos Originários em quantidade o maior número de vítimas. Com os levantamentos realizados por parte da Comissão da Verdade esta história começou a ser narrada de forma mais efetiva.

(…) mais indígenas morreram por decisões da ditadura iniciada há 50 anos do que as vítimas de outros grupos, armados ou não. Um único povo do Amazonas perdeu mais habitantes pela violência da imposição da construção de uma estrada em suas terras, a partir de 1971, do que todos os não índios mortos segundo as maiores estimativas. Como esse, inúmeros outros grupos foram vítimas do lado mais brutal e, até hoje, menos conhecido daqueles anos de chumbo. A Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos pelo governo ou agentes do regime autoritário, suspeita que tenham sido mil mortos ou desaparecidos políticos entre 1964 e 1985. A construção de estradas na Amazônia, no governo do general Garrastazu (1969-1973), matou 8 mil índios, segundo estima a comissão (SERVA, Leão. “Índios, as maiores vítimas da ditadura”. In: Folha de São Paulo – FSP. São Paulo: FSP, Disponível Online: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/leaoserva/2014/03/1433409-indios-as-maiores-vitimas-da-ditadura.shtml, 31 de março de 2014.)

Percebe pelos dados que nós Povos Originários nem precisamos fazer oposição ideológica ao sistema de exploração da natureza porque já somos naturalmente colocados como opositores a ele. Estávamos, como ainda estamos, assim como outros Povos e pessoas, no caminho do bélico “desenvolvimentismo” econômico que causa miséria de milhares, guerras e degradação do meio ambiente.

É o capitalismo o culpado pela violência que ocorre nas cidades. No caso brasileiro este sistema colocou 14 milhões de pessoas no desemprego. A miséria econômica de muitos é o terreno fértil para a criminalidade.

Façam então intervenção na lógica de funcionamento do capitalismo e contra seus mandatários. Por isto acreditamos que as ações de segurança do estado brasileiro é de contenção social e racial. O estado precisa conter os que são pobres materialmente para manter o capitalismo.

Por este motivo, entre outros como já escrevemos nos início, nos importa sim os rumos que os não índios tomam na organização da sociedade. Interessa e muito a forma como o estado, justiça e suas forças agem. Importa demais a intervenção militar que ocorre no Rio de Janeiro.

Salientamos que estas reflexões e as que seguem não representam um determinado Povo, Aldeia, Organização Indígena. São frutos de meditações feitas por Coletivos de Índios e não Índios que refletem o mundo de forma coletiva, apesar de não possuirmos organização formal – nem queremos. Nossos pensamentos, entretanto, fluem e sem encontram de forma atemporal.

Se oferecemos forma gramatical da língua protocolar à estes pensamentos é porque a formação acadêmica de alguns de nós, feita às duras custas, possuiu entre outras missões, transformar os conhecimentos adquiridos em ferramentas … melhor seria: em arcos e flechas; canoas; jangadas; cuias; colares; cocares; maracás …

Aqui não são só palavras, as mesmas constituem o barro da terra que fortalecer a Oka da Luta do nosso Povo e de todos aqueles que pelejam contra a opressão, buscando um outro mundo possível do qual já somos portadores em nossos corpos e almas (angas).

 

 

I ATO:

NOSSOS SONHOS E PESADELOS NÃO ESGOTAM NA QUARTA DE CINZAS E MUITO MENOS CABEM EM SUAS URNAS

Os desfiles das Escolas de Samba, especialmente as do Rio, causaram uma grande sensação de alegria e otimismo. Percepção fortalecida particularmente com a Escola de Samba Paraíso do Tuitui porque brindou com seu desfile os que lutam contra o atual governo, as reformas trabalhistas, da previdência e injustiças históricas geradas pela escravidão que não acabou. Foi um desfile de “lavar a alma” dos que possuem uma postura crítica aos desmandos que constituem a  formação da sociedade brasileira e dos atuais donos do poder político, econômico e à elite brasileira.

Ao mesmo tempo e mais uma vez, o desfile da Paraíso do Tuitui demonstrou ainda como os meios de comunicação oficiais são parciais ao tentarem esconderem as críticas ao atual governo e às reformas. Os noticiários deram destaque de forma seletiva ao que desejavam mostra e à violência durante o carnaval. Pareciam nos alertar que havia desordem desencadeada e alguma ação intervencionista ocorreria.

 

 

II ATO:

JÉSSICA E ENRICO PRESOS: REVELAM A PERVESIDADE DO SISTEMA DE CONTENÇÃO SOCIAL E RACIAL ONDE NASCEMOS  CULPADOS ANTES MESMO DA CULPA – SENTENÇA:  NOSSA POBREZA MATERIAL É PERIGOSA

Em pleno carnaval brasileiro muitos que possuem alguma sensibilidade em relação a dignidade humana ficaram espantados com a crueldade expressa na imagem da jovem Jéssica Monteiro (24 anos), presa com 27 papelotes de maconha (cerca de 40 gramas), numa minúscula cela de dois metros quadrados da carceragem do 8ºDP em São Paulo – Capital. Aparentemente a imagem chocou, especialmente, porque nela aparece com Jéssica uma criança recém-nascida, apenas 3 dias, naquele lugar que não serve nem mesmo para uma pessoa adulta.

Jéssica, já mãe de um menino de 3 anos, deu à luz a Enrico em pleno domingo de carnaval (11/02/2018) num hospital público de São Paulo. Isto ocorreu logo após uma audiência de custódia converter sua prisão em flagrante de tráfico. Considerado como crime hediondo pela Lei Antidrogas 11.343/2006, os que assim são julgados possuem suas penas aumentadas, bem como as crueldades do estado.

Após a parto Jéssica e Enrico foram levados para a cela. A imagem de ambos presos causou espanto, surpresa e revolta. Porém, lendo os comentários de alguns nos sites noticiosos, infelizmente, a situação de ambos também causo uma sádica satisfação. Para estes sugiro que fiquem com Nero, Herodes, Pilatos, Mem de Sá, Hernán Cortés, General Custer, Salazar, Franco, Hitler, Stalin, Pol Pot, Pinochet, Videla e todos velhos/novos ditadores brasileiros, a lista é grande. Só não se esqueçam que estes que vocês admiram já perseguiram, prenderam, torturaram, julgaram e executaram pessoas como Jesus.

Lembrei de Nietzche: “vocês, nobres e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os desventurados, malditos e danados!” (Genealogia da Moral).

Voltando a imagem de Jéssica e Enrico presos: antes diziam que “pobre nasce sem nada”. Sempre discordamos desta história porque, para os donos do poder político e econômico, agente nasce: devendo, culpado, sentenciado e já com pecado.

Nascemos:

Devendo, sem contrairmos dividas;

Culpados, sem termos feito nada;

Pecadores, sem termos pecados;

Condenados – sem realizarmos crimes

 

Assim nascemos:

Sentenciados por natureza.

Por sermos material pobres,

Mas espiritualmente ricos e fortes

Por isto somos perigosos

(Por Casé Angatu)

 

 

ATOS CONTINUOS:

OFICIALIZOU-SE A INTERVENÇÃO DE CONTENÇÃO QUE SEMPRE EXISTIU

“Nem vem com teu carro-chefe …

Que a gente não precisa 

que organizem nosso carnaval… 

Por um bloco que derrube esse coreto;

por passistas à vontade

que não dancem o minueto.

 

Por um bloco sem bandeira

ou fingimento

que balance e abagunce
o desfile e o julgamento.

 

Por um bloco que aumente

o movimento

que sacuda e arrebente

o cordão de isolamento”

(Aldir Blanc e João Bosco)

Pois bem: a briosa Escola de Samba Paraiso do Tuitui ganhou em segundo lugar pelo julgamento oficial dos desfiles das escolas de samba. Mas foi a primeira colocada na alma dos que se sentiram representados. Da mesma forma, outras Escolas de Samba que fizeram suas críticas foram premiadas. Ocorreu ainda o fortalecimento da volta dos blocos carnavalescos de rua levando multidões aos espaços públicos.

Jéssica e Enrico conseguiram “o direito” de prisão domiciliar. Para valorizar mais ainda esta vitória, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou no dia 20/02/2018, que mulheres grávidas, com filho de até de 12 anos, mães de filhos deficientes que estejam “presas preventivamente têm direito” à prisão domiciliar. Sem dúvidas foi mais uma conquista do Povo que luta.

Segundo os dados do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e da Pastoral Carcerária, com base em números de 24 estados, ao menos 4 mil mulheres podem ser beneficiadas com a determinação, “praticamente 10% do total de presas no País”.

Alguns poderiam dizer: Tudo bem ! Tudo foi resolvido ! Vitória !

Vitória sim, mas as questões mais profundas não foram resolvidas. Escrevemos isto talvez porque nosso “peito é do contra e por isto mete bronca neste samba plataforma”. Leis são feitas, desfeitas, refeitas, transformadas e, por vezes, não efetivadas. Vide o samba enredo da Paraíso do Tuitui sobre a Leia Aurea de 13/05/1888.

Afinal o a escravidão acabou? Ou, caso tenha acabado, representou o fim das desigualdades da qual ela era parte? Os Povos Originários, possuidores do Direito Congênito ao Território, garantido até pela Constituição Brasileira de 1988 (Artigo 231 e 232), obtiveram suas terras invadidas e saqueadas? Ocorreu a Demarcação Já do Território e garantias contra novas invasões?

Por isto pensamos que nossa luta não pode ser somente pontual. Claro que precisamos lutar por todos os direitos mesmos os momentâneos. Porém, mesmo não conquistando ou conquistando é preciso pensar que direitos são conquistados e retirados num processo continuo que, por vezes, serve para manutenção das desigualdades. Esta é uma das lógicas deste sistema chamado de capitalismo.

Ou seja, a luta é mais profunda e/ou como diz a sabedoria indígena popular: sem arrancar as raízes da tiririca elas crescem novamente. É preciso ir fundo e plantar novas raízes … fertilizando o solo. A mandiýua (nome em tupy para maniba) quando bem plantada faz florescer folhas, fortes raízes e mãdi’og – mandioca, aipi, aipim, uaipi, macaxeira.

É triste falar … mas existem centenas de pessoas como Jéssica que foram, são e serão pressas. Sei que existe dificuldade de muitos aceitarem o discutirem este assunto. Quando postamos textos sobre o tema poucos olham e, as vezes, alguns são contrários.

Porém, novamente lembramos que o Brasil é o terceiro país no mundo em População Carcerária, ficando atrás somente dos EUA e China. A população presa no Brasil (726 mil) é maior que a população de muitas capitais de estado, tais como: Aracaju, Cuiabá, Porto Velho, Florianópolis, Macapá, Rio Branco, Vitória, Boa Vista, Palmas. Quase a população indígena do Brasil, segundo o censo do IBGE de 2010: 818 mil Índios.

A Lei Anti Drogas (11.343/2006) é Lei Anti Pobres. É política de contenção social e racial historicamente consolidada. Segundo a Socióloga e coordenadora do Centro do Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber:

(…) o aumento da população carcerária está diretamente relacionado a mudança na lei das drogas. ‘A legislação de 2006 [de 2006 [Lei antidrogas 11.343/2006], que muita gente diz que é branda, resultou nisso’ (“Brasil tem 726 mil presos, o dobro do número de vagas nas cadeia”. In: Uol Notícias., Disponível Online: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/12/08/brasil-tem-duas-vezes-mais-presos-do-que-numero-de-vagas-nas-cadeias.htm, 08 de dezembro de 2017.

Talvez muitos que se comoveram com a situação de Jéssica não ficariam abalados se ela não tivesse dado à luz e ficasse presa com uma criança recém nascida. Quando leio as matérias nos meios de comunicação oficias também observo os comentários e um dos mais constantes foi: “também … que mando ela fazer o que ela fez”. Pergunto: mas o que Jéssica fez?

Insisto no tema: a miséria social, parte da lógica do sistema capitalista que no Brasil criou 14 milhões de desempregados, gera o terreno fértil para a criminalidade e violência. Não estou dizendo aqui que nós pobres somos naturalmente violentos, mas sim que a pobreza econômica, injustiça social, racismo e a perda de direitos acerelarada pelo atual governo golpista são violentas por agredi os mais pobres.

O capitalismo é o gerador da violência e, sendo assim, façamos então um intervenção popular no sistema que nos agride, explora e violenta.

 

 

“A ILEGALIDADE DOS BENS FOI SEPARADA DA ILEGALIDADE DOS DIREITOS”

O CAPITALISMO DESEJA TODAS E TODOS SOB CONTROLE

Enrico, a criança recém nascida estava presa, porque sua mãe Jéssica foi detida com 27 papelotes de maconha (cerca de 40 gramas). Não irei entrar na discussão se é muito ou pouco, mas refletir que aqueles que desviam verba pública nos deixando sem saúde, educação, moradia, representando um perigo à sociedade, não tem seus crimes computados como hediondo.

Lembrei, novamente, o que aprendi lendo e lecionando “Vigiar e Punir” de Michel Foucault

“A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. (…) E essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens – [o “crime” dos pobres] – os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos” – [crime dos ricos e daqueles que ocupam o estado e sua (in)justiça] – os tribunais especiais, todos os recursos possíveis, penas alternativas, prisões especiais (isto quando são condenados)

Lendo Foucault e observando a história percebemos que as ilegalidades de direitos [crimes dos ricos, dos que ocupam o estado e a (in)justiça – os doutores] é pior porque: ferem, matam e prejudicam muito mais. O alcance social destes crimes é a ausência de políticas públicas e direitos essenciais. Ocorrem como consequências: mortes coletivas por falta de prevenções públicas – vide a febre amarela, por carência de saúde, moradia, alimentação, medicamento, escola pública, gratuita e de qualidade. Existem várias formas de matar e entre elas a ilegalidade de direitos.

Mas isto não é casual e sim próprio do estado, de seus mandatários e do capitalismo. O estado, incluindo suas (in)justiça, não foi criado para ser imparcial e sim para arbitrar em nome dos que possuem o poder econômico.

Como possibilita ponderar Foucault, toda classificação é um exercício de poder. Oferece nomes às coisas é arbitrário em si. Classificar crimes e penas é um exercício de arbitrariedade. Decretar o que hediondo ou não idem.

Então que assumam suas arbitrariedades e declarem logo que o inimigo do estado é o povo, por isto nossos supostos crimes são mais fortemente penalizados.

Na nossa compreensão, a cada pessoa do povo presa por supostos crimes é a demonstração da falha do próprio estado, a quais interesses ele atende e o fracasso do sistema econômico existente. Sei que sou parcial, mas diferente dos que nos (des)governam, assumo minha parcialidade. Voltando a Foucault:

“a burguesia se reservou o campo da ilegalidade dos direitos. (…) Um sistema penal deve ser concebido como um instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, não para suprimi-las a todas. A pressão sobre as ilegalidades populares se tornou legitimada pelos poderosos (…) Quando tiverdes conseguido formar assim a cadeia das idéias na cabeça de vossos cidadãos, podereis então vos gabar de conduzi-los e de ser seus senhores. Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro; mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a corrente de suas próprias idéias; é no plano fixo da razão que ele ata a primeira ponta; laço tanto mais forte quanto ignoramos sua tessitura e pensamos que é obra nossa; o desespero e o tempo roem os laços de ferro e de aço, mas são impotentes contra a união habitual das idéia s, apenas conseguem estreitá-la ainda mais; e sobre as fibras moles do cérebro, funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios.”

Penso mesmo que a cada prisão de alguém do povo outro alguém entre os que governam o estado (executivo, legislativo, judiciário e as elites) deveria também ser preso como demonstração de sua imparcialidade.

 

A HISTÓRIA NÃO TEM FIM

“Se somos unidos ninguém passa frio

Você “luta” contra uma das injustiças, mas não basta porque outras tão ou mais violentas acontecem logo e/ou ao mesmo tempo. Sinto que a luta de todas as lutas é por um outro mundo possível. Um outro mundo que já existe no atual e do qual os Povos Indígenas em sua natureza são portadores naturais …

O código penal é perverso e envia milhares de pessoas (jovens ou não) aos presídios (masmorras do estado), numa política de contenção social, racial e genocida contra o Povo Pobre rebelado. Analisem: os dados censitários em relação aos estão presos/presas e seus familiares são: índios, negros, mulatos, caboclos, pardos, brancos pobres.

“’Exatas 176.091 pessoas presas foram condenadas ou aguardavam julgamento pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, de acordo o mais novo Infopen. Esse número representa 28% do total de presos. A imensa maioria desse contingente é de pequenos traficantes ou mesmo de usuários de drogas jogados nas celas brasileiras que são verdadeiras masmorras e escolas do crime’, afirma o advogado Marcos Roberto Fuchs, diretor adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.” (“Brasil tem 726 mil presos, o dobro do número de vagas nas cadeia”. In: Uol Notícias., Disponível Online: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/12/08/brasil-tem-duas-vezes-mais-presos-do-que-numero-de-vagas-nas-cadeias.htm, 08 de dezembro de 2017.)

Por isto, apesar da amargurar, não espanta a intervenção militar no Rio de Janeiro porque ela já existe. Faz parte da política de contenção social e de descrimação racial. Ato continuo ao carnaval o governo federal determinou a Intervenção Militar no Rio de Janeiro, alegando falta de segurança e perda do controle do estado ao combate do crime organizado. O atual governo oficializou e busca legitimar uma situação já existia.

A intervenção militar já era praticada nas Aldeias, Quilombos, Ocupações, Retomadas, Favelas, Guetos, Quebradas, Cortiços, Povo em situação de rua, Periferias, Povo Preso e contra quem (re)existe. Quando afirmamos isto é só verificar os números de presos e quem são os encarcerados da terceira maior população carcerária entre os países. Faça uma análise social e étnica de quem são os presos e precebê-la que prisão é contenção social e racista.

Pensamos também que a intervenção é um medida populista eleitoreira do atual (des)governo. Os atuais governantes buscam legitimar seus atos e apoio popular para as próximas eleições. Como o governo percebeu que sua política reformista contra os trabalhadores é impopular tenta demonstra força em medidas que possuem algum apelo coletivo: o combate contra a violência.

Porém, não basta só falarmos isto. A intervenção, da mesma forma, simboliza o desejo dos interventores obterem apoio jurídico, político e popular para aumentar e radicalizar a intervenção social e racial já existente. Ou seja, querem autorizarem e legitimarem a intervenção e avisarem que, caso os questionamentos ao estado aumentem, poderá se utilizar a força para conter.

Ao ficarmos quietos à intervenção tende a se radicalizar. Vide as tentativas de obter carta branca para as ações: mandatos coletivos, fichamentos coletivos, fotografar pessoas sem autorização, criação do Ministério da Segurança Pública. É um recado aos que desejam mudanças na sociedade e aos que se rebelam mesmo de forma instintiva.

Por isto meus Parentes e Aliados, lembrando dos dados levantados pela Comissão da Verdade durante a ditadura militar civil brasileira (1964-1985), o que acontece no Rio de Janeiro nos importa e muito. Ou ficaremos esperando que “arranquem nossa voz da garganta e, então, já não podemos dizer nada” … como bem nos faz refletir o trecho a seguir do poema de Eduardo Alves da Costa – “No caminho, com Maiakóvski”:

“Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

 

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

 

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho e nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

.

 

NÃO À INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO!

 

DEMARCAÇÃO JÁ!

 

AUTONOMIA E ALTERIDADE AOS POVOS INDÍGENAS!

 

AIÊNTÊN !!!

.

) —> —-> —> —->—> —->—> —->

 

“CAPIM GUINÉ”

Baiana System

(Russo Passa Pusso | Seko Bass | Titica | Margareth Menezes)

 

(1) Criança na escola vinil na vitrola e cintura de mola é pra

(2) toda família começa de dois, trabalho é comida pra

(3) feijão com arroz comida no prato, chegando visita é pra

(4) polícia educada faz parte do povo,

Então guarda essa arma no cinto(5)

Que eu sinto a presença de vocês (6)

Muleque é noix (7)

Caboclo é noix (8)

 

Oito caboclo dançando com a boca espumando com a boca espumando de amor

Oito caboclo dançando com a boca espumando com a boca espumando de ódio

 

Não tava na conta né

Erva de capim guiné

Vários caboclo lotando o local

E o cheiro da erva sobrenatural

É o q eu sinto …. de Capim Guiné, de Capim Guiné

 

Multiplicados somos mais fortes

Não precisamos depender da sorte

Mesmo sem saber o paradeiro da bússola nunca perdemos o Norte

Perdido por um, perdido por mil

É assim em Angola, é assim no Brasil

Podemos ser dois, o cobertor ser um

Se somos unidos ninguém passa frio

 

Povo sem cultura é um povo vazio

A pior escravidão é a mental

Sozinho ninguém vai distante

Tropeça na vida e depois Cai na real”

 

___________________

* Casé Angatu: Indígena e morador na Aldeia Gwarini Taba Atã – Território Tupinambá de Olivença (Ilhéus/Bahia); Professor Universitário; Historiador; Autor dos Livros: Nem Tudo Era Italiano – São Paulo e pobreza (1890-1915). SP: Annablume/FAPESP, 2006 & Identidade Urbana e Globalização – A Formação dos  Múltiplos Territórios em Guarulhos/SP. SP: Annablume/SINPRO, 2006; Graduado em História pela UNESP, Mestre em História pela PUC/SP; Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP

** Reforçando: estas reflexões aqui apresentadas não representam um determinado Povo, Aldeia e Organização Indígena. Da mesma forma, não representa a opinião de todas/todos que escrevem e/o organizando ÍndiosOnline. São frutos de meditações feitas por Coletivos de Índios que refletem o mundo de forma coletiva, apesar de não possuirmos organização formal – nem queremos. Nossos pensamentos, entretanto, fluem e sem encontram de forma atemporal.

*** Aos nos posicionarmos contra a intervenção militar no Rio de Janeiro não estamos nos colocando contrários às Forças Armadas brasileiras. Algumas regiões do Brasil as Forças Armadas tem atuado com apoio de algumas comunidades indígenas, sendo respeitadas por estes nossos Parentes.

****  O vídeo/letra “Capim Guiné” do Baiana System foi utilizado aqui porque nos inspira no que diz.